Harem: Território de Memória e Resistência
qua, 26 mar. / seg, 04 ago.


Harem é uma instalação artística que habita o limiar entre o sagrado e o interdito, o visível e o oculto. Composta por duas obras – L’amour n’est pas un crime e Azetta #1 – esta instalação convoca a memória e a resistência, inscrevendo-se na delicada fronteira entre tradição e subversão. Com materiais do quotidiano marroquino, Marion Mounic entrelaça memória, narrativa e gesto, questionando o espaço do harém como território de clausura e poder, desejo e interdição.
Espaço de confinamento das mulheres, Harem transmite a noção de território—um território que é sagrado e, ao mesmo tempo, gineceu proibido aos homens e aos não muçulmanos, exceto aos príncipes e sultões. O harém não é apenas um enclave feminino, mas um lugar onde a hierarquia se confronta com a intimidade, e o silêncio ecoa tanto quanto os sussurros das negociações invisíveis.
É um território onde as leis da carne e do espírito se entrelaçam em relações lícitas e ilícitas, um espaço onde os géneros se cruzam em múltiplas direções e, por vezes, se invertem, como no caso dos eunucos. Um teatro de sombras e luzes, de dominação e resistência, onde o proibido e a obrigação pulsam sob o véu da tradição. Ali, o desejo conhece a liberdade tanto quanto o confinamento conhece a transgressão.
Desta instalação fazem parte as obras L’amour n’est pas un crime, uma tela monumental impregnada de hena e outros componentes orgânicos, onde emerge uma frase escrita em árabe: "O amor não é um crime." e Azetta #1, uma tapeçaria de silêncios e histórias sobre uma trama de lã. Na língua berbere, Azetta significa tanto o tear como as células da colmeia e, nesse sentido, Mounic evoca uma vez mais a história das mulheres, os seus espaços e as suas resistências.
Entre gestos quotidianos e rituais invisíveis, a artista dá corpo às memórias que persistem, redesenhando os espaços do feminino como lugares de resistência e reinvenção. Harem é murmúrio, sopro e inscrição. Nas texturas e no entrelaçar do tangível e do ausente, abre-se um portal onde tradição e transgressão coexistem, revelando que a arte, como a memória, é um ato contínuo de criação e insurgência.
Adelaide Ginga