Tela Habitada
photography


1976
Impressão em gelatina de prata
203 x 127 cm
Helena Almeida é um nome cimeiro das neovanguardas em Portugal. Estudou Pintura, mas não demorou a pôr termo ao regime de separação das artes, no qual se formou.
Se os trabalhos iniciais, 1967-1969, já anunciavam essa rutura, ao submeterem a tela a sucessivas iterações, tendo em vista a objetualização crescente da pintura; a “saída” do espaço físico da pintura em direção a outros media veio a acontecer na década seguinte. A produção deste período marca então a passagem da artista ao campo da performance executada para a câmara, onde a pintura e o desenho ressurgem mediados pela fotografia e o filme. Simultaneamente, estes anos trazem um dado novo que irá definir a sua obra futura: o corpo de Helena Almeida, que estava fora das pinturas, passa agora a ser integrado, assumindo o lugar de performer.
Tela Habitada, de 1976, dá continuidade a Tela Rosa para Vestir, de 1969, uma das primeiras performances da artista para fotografia. Helena Almeida descreveu-a como uma tela “antropomórfica” e, na verdade, é o que voltamos a testemunhar nesta segunda fotografia, realizada dois anos depois da Revolução de Abril. Também aqui, a artista aparece literalmente vestida de tela e um jogo de sobreposição de telas acontece, com uma diferença: não é o retrato de corpo parado e frontal que interessa explorar de novo, ainda que estejamos no mesmo domínio da autorrepresentação encenada, mas o registo do corpo implicado numa ação decorrida num dado espaço. Envolta num tecido de tela até aos pés, Helena Almeida transporta ao peito uma tela em branco engradada, sendo fotografada a passear num jardim, em marcha. Este corpo-tela olha para a câmara, enquanto confirma a assunção de algumas operações decisivas no trabalho da artista, absolutamente inovadoras no país: a corporalização da pintura produzida pela ação e o gesto fotografados; a imagem como construção do corpo na relação com o espaço e o tempo; a reversibilidade sujeito/artista-objeto e a performatividade do género feminino.
Sofia Nunes