Diálogo
painting


1939
Óleo sobre contraplacado
61 x 99 cm
Nascido em Santa Luzia, Açores, no mesmo trágico ano da primeira Grande Guerra, o destino de António Dacosta seria assombrado por catástrofes que marcaram o século. Com 21 anos foi para Lisboa frequentar Belas Artes e rapidamente encontrou aceitação junto do meio artístico e boémio que circulava pela capital. Ali, na flor da juventude, escreve textos críticos (que se contam entre a mais alta produção do género) e publica no Diário Popular, desenha, ilustra e pinta, chegando a partilhar atelier com António Pedro, então já respeitada figura vanguardista nesses meios dispersos pelos cafés da baixa, então ainda cercada de pólos rurais, e paragem obrigatória n’A Brasileira do Chiado.
Foi nestes anos que realizou, entre 1939 e 43, o essencial da obra da primeira fase, Surrealista, que fez dele o mais importante artista que o movimento lançado por Breton conheceria em Portugal, e lhe mereceu reconhecimento bastante para obter o Prémio Souza Cardoso, em 42. Como depois o voltaria a ser, sem esforço, entre os da década de oitenta. Nessa obra rara, interrompida três décadas entre 49 e 75, Dacosta foi, por duas vezes, caso excecional, que influenciou profundamente as várias contemporaneidades que conheceu.
O Diálogo (1939) é marcante tanto mais porque é, porventura, a primeira de fôlego desse imaginário Surrealista que ele inventou na arte portuguesa. O clima sufocante que as personagens habitam antecipa o de Episódio com um cão, de 41.
É sempre numa ilha que estes teatros de lembrança chiriquiana acontecem, e as figuras híbridas de homem e cão em diálogo com uma mulher, podem ser figurações desses seres sem destino que o salazarismo gerou, de que o artista se afastaria definitivamente ao partir para Paris, em 47. Ali, diante da ruína deixada pela guerra, decidiu abandonar a pintura e o seu gesto marcaria o início de uma fase vagabunda, em que se dispersou entre a escrita de magníficas crónicas sobre arte, publicadas no Brasil (O Estado de São Paulo, de que foi correspondente) e trabalhos ocasionais. Exílio que viria a interromper em 77, quando regressou à pintura, que mostrou na Galeria 111 (1983) e que, pouco depois, se veria em escala maior na grande retrospetiva da Fundação Gulbenkian.
Bernardo Pinto de Almeida