A obra “Sem Título” de 1966, foi realizada durante a primeira fase de permanência de Jorge Martins em Paris, onde residiu de 1961-1973, e que corresponde ao período relevante da sua afirmação como artista. É nesta época que desenvolve uma atividade de maior intensidade experimental, orientada por uma pesquisa que se revela basilar na sua obra: as formas de interpretação e reprodução da luz, a par da corporificação do imaterial numa dimensão plástica. A amplitude de investigação e exploração desenvolvida por Jorge Martins resultou numa linguagem que percorreu livremente o espectro entre a abstração e a neo-figuração.
É o caso desta pintura, em que o elemento principal, descentrado do eixo da tela, é uma esfera azul com tratamento de luz e sombra, que paira sobre um fundo neutro escuro. Este elemento geométrico encontra-se rodeado por um conjunto de imagens coloridas, individualizadas que se organizam junto às margens. A maioria surge como pequenas pinturas inscritas no que se assemelha a folhas de papel branco, outras surgem de forma mais solta com elementos com maior volumetria e introdução de perspetiva e profundidade. Estas cenas que emolduram esta espécie de “planeta azul” criam uma dinâmica compositiva e formal. Contudo, quando procuramos interpretar essa multiplicidade de conteúdos em torno da esfera, percebemos que essas pequenas pseudo-figuras se revelam híbridas e ambíguas, de dimensão onírica e sem imediata correspondência com o real. Uma certa provocação na forma como o espectador é interpelado a decifrar a liberdade criativa do artista.

AG