O trabalho de Bruno Pacheco questiona as possibilidades representacionais e miméticas da pintura, assumindo muitas vezes como referente a própria história da arte. Interessado pelo objeto artístico e pelos vários sistemas de tradução pictórica de uma imagem, o artista recorre a múltiplas fontes (fotografias pessoais, imagens recolhidas na internet ou em livros), num aturado processo de referenciação, aproximação e variação que muitas vezes resulta na repetição do mesmo motivo ao longo de uma série de obras. O ato repetitivo e a recorrência dos temas traduzem-se não raro na produção de inúmeras composições semelhantes, com subtis variações, que colocam em evidência o caráter ilusório, artificial e abstrato da pintura.

Esta obra foi feita num período em que surgem como motivo frequente personagens que estão a manipular grandes telas pintadas, como se as estivessem a transportar, deslocar ou a fixar num novo lugar. Aqui, é reconhecível a pintura - El dos de mayo de 1808 en Madrid
(ou - La lucha con los mamelucos
), de Francisco Goya, que evoca um episódio da resistência espanhola contra a ocupação napoleónica. As duas figuras em primeiro plano, agachadas de costas e absortas na sua atividade, surgem noutras pinturas sobre o mesmo tema. Concentradas em algo que o observador não consegue decifrar totalmente, ignorando-o e rejeitando-o deliberadamente da ação, a sua atitude alheada contrasta com o dinamismo da cena histórica, acabando por atrair o olhar e constituir o foco de atenção da composição. O esquema monocromático com poucos contrastes e os jogos lumínicos suaves contribuem para uma certa neutralização da relação entre as figuras e o fundo e para a desestabilização da perspetiva, colocando em relação a qualidade figurativa e o potencial abstrato da composição.

Bruno Pacheco convoca no observador as sensações de reconhecimento e estranheza, de atração e exclusão, ao explorar de um modo muito particular as características associativas e dissociativas da (sua) pintura e ao colocar em evidência, no tema e nas soluções formais, o seu entendimento desta disciplina como um campo aberto.



Joana Baião