A natureza das imagens na sua relação com o tempo e a memória são temas integrantes do discurso artístico de Rosângela Rennó, artista brasileira que procura explorar todas as potencialidades e desdobramentos de imagens fotográficas preexistentes a par da construção de possíveis narrativas e resignificações. A Série Vermelha, da qual fazem parte as obras - Sem título (king lion)
e - Sem título (two stones)
, resulta do tratamento digital de imagens provenientes de retratos originais. Nestes retratos vemos fotografados individualmente homens envergando uniformes de aspeto militar, sob uma postura austera e imponente.

As fotografias domésticas, alteradas por processo digital, são imersas numa saturação de cor vermelha anulando o branco e mantendo apenas o preto, conduzindo a imagem ao que a artista chama de “limite da visibilidade”. Deste modo, as imagens agora bicromadas, são associadas ao sangue e ao luto, consequentes da violência da guerra e confrontos militares. Soturnas e quase sumidas, as imagens não desvendam de modo imediato o seu conteúdo, que se desvela apenas de forma vaga e dependente do ângulo de incidência de luz. Simultâneamente, requerem do observador a sua lenta e rigorosa observação para apreender a sugestão do carácter tridimensional que a qualidade plástica do trabalho encerra.

Em ambas as obras, a pose das figuras retratadas está envolta num certo mistério. Se na obra - Sem título (king lion)
um homem de chapéu surge sentado e de perfil, assumindo um comportamento frio, distante e muito objetivo, em - Sem título (two stones)
vemos a figura de um homem jovem em pé que encara o fotógrafo, vigilante e numa pose rígida, no meio de dois marcos de pedra.

Estes fantasmas ou personagens perdidas no tempo são, deste modo, reanimadas desse passado num registo velado em que o silêncio e a tranquilidade das imagens, não deixa de evocar a vaidade e poder, maioritariamente masculino, associada ao uso do uniforme, em diálogo com as ideias de violência, brutalidade e sofrimento.



Carolina Quintela