Actor com serpente
painting


1984
Acrílico sobre tela
162 x 114 cm
Fortemente influenciado pela arte angolana, José de Guimarães criou o seu próprio alfabeto de símbolos inspirado pelos pictogramas da tribo dos Ngoygos de Cabinda que definiu a matriz da sua obra e estabeleceu o seu caraterístico estilo de sintética visual composto de símbolos. É da conjugação entre este alfabeto e uma estética pop art que nascem pinturas como Actor com Serpente, compostas por elementos soltos, agrupados e enxertados sobre um fundo neutro, resultando cada combinação de formas e signos numa nova (des)construção simbólica e representativa. Nesta obra, de grande densidade iconográfica, uma figura híbrida e andrógina extravasa os limites laterais da tela. Aparentemente humano, este ser apresenta um braço dragão-serpente (símbolo de regeneração/ ciclicidade e da dualidade entre efemeridade/ imortalidade), identidade maioritariamente feminina, longos cabelos verdes, amplos seios e uma aparente púbis feminina acima das pernas, mas também masculina (face de automóvel – símbolo de virilidade no ideograma de Guimarães). O ator reitera a (sua) duplicidade existencial e performativa encarando-nos simultaneamente de frente e de lado, como se percebe pela diferença de perspetiva dos olhos e dos seios. A seus pés, uma serpente de língua bífida (símbolo da tentação e do desejo) eleva-se ao encontro da mão de seis dedos do ator que a agarra para assim se completar e realizar. A mescla, aparentemente díspar, da anatomia feminina, masculina e de um animal com conotação proeminentemente fálica produz uma (ir)realidade primitiva e sexual/ de género cujas questões antropológicas e identitárias encontram larga tradução no campo das infinitas possibilidades de metamorfose na representação artística do teatro. Ao colocar este Actor com Serpente, simultaneamente feroz e encantador e em aparente mutação cíclica, no centro do palco performativo e existencial, Guimarães procura apresentar caminhos alternativos de reflexão sobre a existência humana que ultrapassem e superem as suas limitações e constrangimentos identitários, sexuais, sociais e culturais.
Ana Fabíola Maurício