O trágico episódio de Héracles (Hércules) e do Centauro leva à morte dos seus três protagonistas. Apesar do frenesim da composição compacta, a maioria dos elementos narrativos do mito são oferecidos aos espectadores para um pequeno jogo de reconhecimento: o lendário herói e a sua esposa Dejanira, o rio, o centauro ambíguo e traiçoeiro, a tentativa de violação e a flecha envenenada pela Hidra disparada por Héracles contra o peito de Nessus para salvar a honra da sua esposa. O tema do encontro entre Héracles e Nessus está tradicionalmente associado ao infortúnio e fatalidade inevitáveis. No entanto, como sempre na produção de Pomar, o tema escolhido nunca é um fim em si mesmo, mas sim um ponto de partida, um espaço oferecido para desencadear uma miríade de associações imaginativas.

A obra em grande escala é composta por cinco peças cortadas em tela e unidas, com a cabeça de Héracles representada no painel esquerdo, enquanto que as figuras confrontadas de Nessus e Dejanira à direita, numa escala menor, sugerem uma certa distância. Apesar da ausência de perspetiva linear, a ilusão é reforçada pelo uso de tons pálidos e brancos na borda direita, fazendo lembrar uma perspetiva atmosférica. A atenção de toda a cena é realçada pelo arco e seta (madeira fixada na tela) que ocupam a parte central do conjunto e cuja escala é sobre-dimensionada em relação às dimensões do centauro, mas quase equilibrada com a cabeça de Héracles que olha para a sua vítima com penetrantes e duplicados olhos de caçador.

Pomar concentra-se na tensão e ação envolvidas, mas também nas potencialidades visuais e sensíveis oferecidas pelo mito. O trabalho é caracterizado por uma rica palete cromática em pastel e acrílico, que vai de tons translúcidos e brilhantes de branco e bege ao preto opaco, manchas planas de cores vivas, pinceladas gestuais, formas biomórficas esquemáticas, sobreposição de linhas brancas e pretas, todos os componentes chave da fusão de Pomar entre o figurativo e o abstrato.