Realizada durante o curso de Pintura na Escola Superior de Belas Artes (1959-1966), esta obra faz parte de um conjunto de composições do mesmo período que apresentam semelhanças formais e materiais e contêm em potência alguns dos pressupostos que viriam a marcar o trabalho de Ana Vieira nos anos posteriores. Com um corpo de trabalho organizado em torno de um discurso poético, em que ideia e imagem são transformadas no espaço, a obra da artista é marcada pela vontade de renunciar as limitações da pintura, e por dualidades: interior e exterior, presença e ausência, ver e não ver, transparência e opacidade.

Aqui, uma menina/boneca é estilizada em modo quase infantil, os planos sobrepõem-se em formas geométricas e angulares, e os pedaços de jornais revelam notícias dos Açores (onde a artista viveu até aos seus dezanove anos), numa referência a memórias de juventude. A artista explora a transparência da imagem e a sobreposição de planos através da colagem de papéis de seda e de fragmentos de jornais, ativando o olhar do espetador. As obras de Ana Vieira são ‘atravessáveis' pelo olhar, uma característica constante e que marca, desde o início, o seu trabalho artístico.



Sofia Gomes