John Baldessari (National City, 1931, Los Angeles 2020) é um dos mais influentes artistas norte-americanos da segunda metade do século XX. Com uma longa carreira como professor, sobretudo na CAL Arts, em Valencia, California e posteriormente na UCLA, em Los Angeles, construiu pontes entre a cultura europeia e a cultura visual vernacular norte-americana que foram essenciais para um largo conjunto de artistas para quem o seu uso da fotografia abriu novos campos de relação entre arte e imagem.

A utilização da fotografia com texto, quer produzida pelo próprio quando ainda residia em National City, perto de S. Diego, quer apropriada a quaisquer fontes – nomeadamente o cinema, de que constituiu um arquivo imenso de imagens residuais de plateau –, constituiu um recurso de aproximação ao real e de progressivo afastamento em relação à prática da pintura com que o seu trabalho iniciou na década de 1950. Aliando uma extensa cultura a uma fina ironia – e mesmo um sentido de humor derrisório –, Baldessari construiu uma obra na qual as referências eruditas são sempre minadas por descrições textuais inscritas nas obras ou nos títulos que as remetem para âmbitos e contextos divergentes, por vezes contraditórios, outras vezes quase tautológicos. A «Vanitas Series», a que esta obra pertence, foi realizada em 1981 e ocupa um lugar singular no percurso de John Baldessari, tendo sido objeto de uma exposição na Stampa, em Basileia, em 1983. Recorrendo a uma tipologia histórica da pintura de género em voga nos Paises Baixos entre o final do século XVI e meados do século seguinte – a Vanitas constituiu um sub-género da natureza morta centrada na chamada de atenção para a precariedade e transitoriedade da vida –, Baldessari recorre às mesmas tipologias visuais, como as caveiras, os frutos, as bolas de sabão e os livros, típicos do género tão importante no ambiente calvinista. A sua versão, no entanto, inclui algumas substituições irónicas: as velas apagadas da tradição holandesa são substituídas por uma lanterna de pilhas e uma escova de dentes surge inopinada, resto escatológico da mais prosaica impermanência.

Realizada num momento de grande alteração pessoal e afetiva, a Vanitas Series é um vórtice na obra de Baldessari, um lugar onde o sombrio da morte encontra a pequena ironia do quotidiano. 

 

Delfim Sardo